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Os impactos da economia colaborativa nas relações de trabalho: uma análise sob a ótica da teoria pessimista schoppenhaueriana

Por Matheus Cunha



RESUMO

Este artigo pretende analisar especificamente o funcionamento da economia colaborativa inserida na “gig economy” e seus impactos nos contratos de emprego, bem como analisará o funcionamento de modalidades de prestação de serviços, como no “crowdwork” e no “work on-demand”, estabelecendo a relação entre o Direito do Trabalho tradicional e o Direito do Trabalho disruptivo oriundo da sociedade pós-moderna. Deste modo, ao passo em que o contemporâneo prescinde a ratificação de direitos fundamentais e sociais, é necessário que haja a compreensão dos meios cabíveis para utilização de mecanismos estatais e jurídicos capazes de adequar as relações de trabalho da sociedade pós-moderna ao ordenamento jurídico vigente, evitando que aspectos positivos e inerentes à construção da vida em sociedade sejam afastados. A partir destes conceitos apresentados e das reflexões colocadas, será apresentada a teoria pessimista de Arthur Schoppenhauer, relacionando-a com a economia colaborativa, sobretudo, quanto aos impactos nas relações de trabalho e a possibilidade ou não de regulamentação. Não obstante, a viabilidade ou inviabilidade de regulamentação evidentemente considerará aspectos do direito material, mas especialmente trará como base a teoria do pessimismo como a vertente principal.

 

Palavras-chave: economia colaborativa; “gig economy”; contrato de emprego; teoria pessimista.

 

ABSTRACT

This article will specifically analyze the functioning of the collaborative economy inserted in the "gig economy" and its impacts on employment contracts, as well as analyze the functioning of modalities of service provision, such as "crowdwork" and "work on-demand", relating the traditional Labor Law and the disruptive Labor Law arising from postmodern society. In this way, if the contemporary world is unable to ratify fundamental and social rights, it is necessary to understand the means for using state and legal mechanisms capable of adapting the labor relations of post-modern society to the current legal system, avoiding the removal of positive aspects of the construction of life in society. From on these concepts presented and the reflections made, Arthur Schoppenhauer's pessimistic theory will be presented, relating it to the collaborative economy, especially regarding the impacts on labor relations and the possibility or not of regulation. Nevertheless, the possibility of regulation will consider aspects of substantive law, of course, but will especially bring the theory of pessimism as the main strand.

 

Key words: collaborative economy; gig economy; employment contract; pessimistic theory.

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Aspectos da “gig economy”: o funcionamento da economia colaborativa, do crowdwork e do work on-demand; 3. Teletrabalho; 4. Conclusão.

 

Summary: 1. Introduction. 2. Aspects of the “gig economy”: the functioning of collaborative economy, the crowdwork and on-demand economics; 3. Teleworking; 4. Conclusion.

 

1. A ECONOMIA COLABORATIVA: IMPACTOS NOS CONTRATOS DE EMPREGO

Dentro do conceito apresentado pela Comissão Europeia no dia 2 de junho de 2016, no Documento: “Uma agenda Europeia para a Economia Colaborativa”, a economia colaborativa é oriunda dos modelos empresariais em que as atividades profissionais são facilitadas por meio de plataformas colaborativas, criando, assim, um mercado de produtos ou serviços variados para utilização temporária por seus usuários, na maioria das vezes o bem ou o serviço será prestado por particulares. [1]Georges Abboud menciona que há a evolução da sociedade de indivíduos para a sociedade de plataformas, sendo que na sociedade de plataformas há a construção da sociedade pós-moderna, que não devem ser confundidas.[2]

Como características inerentes da economia colaborativa, as modificações sociais e econômicas, da forma consumo e da própria comunicação que era própria da sociedade de indivíduos e evoluiu para a sociedade de plataformas de forma descentralizada, não sabendo mais quem é o consumidor e quem é o prestador, ou quem é identificado como mero reprodutor de informações e quem é o idealizador[3], tais modificações afetaram a prestação de serviços, surgindo outra forma de fomentar novos negócios e nichos empresarias. A formação do processo de produção ocorre por meio das externalidades da rede, implicando no relacionamento entre as duas partes envolvidas no processo de produção – consumidora e prestadora de serviços – através da utilização do acesso à rede comunicação conjunto, conhecida como internet, viabilizando a conexão pelas plataformas virtuais sedimentadas por aplicativos.

A produção na economia colaborativa é descentralizada, a disponibilização dos bens ou dos serviços é temporária, fugindo do mercado do “Commons-based peer production”, o prestador de serviços é em grande maioria um particular, nem sempre sendo o prestador de serviços, pois poderá ocupar o espaço do próprio usuário. A sociedade passou a ter fácil acesso à economia colaborativa, tornando-se impossível determinar quem são os consumidores e os usuários, pois mudam de posição frequentemente ou podem ser ambos ao mesmo tempo[4]. Neste sentido, Francisco de Assis Barbosa descreve os agentes e produtos que consubstanciam a economia colaborativa da seguinte maneira:

 

“a) os prestadores de serviços, os quais partilham os ativos, os recursos, a disponibilidade e/ou as competências – podendo ser particulares, que oferecem serviços numa base esporádica, ou prestadores de serviços, que atuam no exercício de sua atividade profissional;

 

b) os usuários desses serviços; e

 

c) os intermediários, os quais, por meio de uma plataforma em linha conectam prestadores de serviços e utilizadores, facilitando, assim, as transações recíprocas (“plataformas colaborativas”)"[5]

 

O processo de produção dentro da “economia colaborativa” reflete a formação de particulares que dispõem de seus bens particulares ou serviços para serem compartilhados com os usuários nas plataformas digitais. Estes bens podem ser carros, salas comerciais, cozinhas domésticas ou industriais, estúdios, dentre outros, mas todos são bens pessoais subutilizados.[6] No início, a concepção principiológica da economia colaborativa buscava pela utilização de bens que não seriam utilizados pelos próprios proprietários, atribuindo finalidade e rentabilidade através das plataformas digitais como intermediárias. Contudo, a filosofia inicial modificou-se durante o processo, atualmente poucos são os particulares que dispõe de qualquer bem ou serviço dos quais não estejam utilizando, as plataformas intermediárias são utilizadas como renda principal em sua grande maioria, seguida pela utilização como forma de complemento de renda dos prestadores de serviços, mas não como mecanismo atribuidor de finalidade a bens ou serviços que não são utilizados por seus proprietários.

Neste sentido, observou-se que os mesmos serviços prestados ou os bens fornecidos pelos prestadores de serviço eram aqueles prestados ou fornecidos pelos empregados com vínculo de emprego formal regido pelo ordenamento jurídico pátrio. A primeira problemática surgiu ao serem analisados direitos fundamentais que eram assegurados aos empregados com contrato de emprego e aqueles que – não eram – assegurados aos prestadores de serviço, sejam os direitos fundamentais específicos – como ausência de pagamento de salário ou pagamento de salários muito baixos, abaixo do salario mínimo, a duração da jornada de trabalho, inobservância aos direitos coletivos, inobservância à segurança e saúde do trabalho  – ou direitos fundamentais não específicos – como a privacidade, o direito à indenização pelo dano moral ou material.[7]

Com a disponibilização do bem subutilizado ou serviços prestados como características inerentes do funcionamento da economia colaborativa, a prestação depende do bem compartilhado e não necessariamente do próprio serviço. O maior exemplo da economia colaborativa trata-se do Airbnb, a plataforma digital que oferece hospedagem em qualquer lugar do mundo, na qual o dono do imóvel oferece sua própria moradia para ser compartilhada com o usuário (percebe-se que os dois são usuários da plataforma ao mesmo tempo). Outro exemplo se remete a plataforma BlaBlaCar, aplicativo de viagem compartilhada normalmente de longa distância, na qual o motorista possui o mesmo destino comum com o passageiro e ambos compartilham a viagem dividindo os gastos.

Há indicadores de que a disponibilização de bens para serem subutilizados ou a prestação de serviços com determinadas características presentes não são capazes de afastar a tutela jurisdicional, objetivando a concretização da garantia de direitos fundamentais se equiparados aos empregados inseridos no contrato de emprego formal. Um caso idêntico foi objeto de análise em Londres pelo Juiz Anthony Snelson, que reconheceu os trabalhadores inseridos na economia colaborativa – especificamente dois motoristas que prestavam serviços junto ao aplicativo “Uber” – como “workers”, empregados equiparados aos “employees” na União Europeia[8], com direitos assegurados distintamente, mas resguardando direitos fundamentais específicos e não específicos àqueles, como o salário mínimo proporcional às horas trabalhadas, férias proporcionais ao período trabalhado, inclusão no plano de pensão, sistema de trabalho seguro, devendo ser tratado como empregado, sem discriminação em relação aos “employees”. Em contrapartida, os “employees” possuem todos esses direitos e considerando por possuir contrato de emprego por escrito, possuíam ainda aviso-prévio, licença-maternidade e contribuição previdenciária, conforme distingue o “Employment Rights Act”.[9]

No Brasil, o conceito encontrado pelo Juiz Anthony como espécie do ponto fixo de um pêndulo necessariamente deveria observar a existência de todos os requisitos inerentes a formação do vínculo de emprego, que dispensam a vontade das partes, ou seja, basta que os requisitos estejam presentes, que haverá vínculo reconhecido. A parassubodinação coloca-se como conceito técnico-teórico capaz de ser aplicado a fim de assegurar direitos fundamentais aos prestadores de serviços, assim como no caso dos “workers” comparados aos “employees” dos Employment Tribunals, de Londres, relativizando o requisito principal para a formação do vínculo empregatício: a subordinação.

 

2. A ECONOMIA COLABORATIVA COMPARADA À ECONOMIA DA “GIG ECONOMY”

A economia pautada na “gig economy” constitui-se como a realidade oriunda da sociedade pós-moderna e no campo das relações trabalhistas se constrói na prestação de serviços, sendo que, até o momento da elaboração deste artigo científico, não são vislumbrados todos os requisitos inerentes para a formação do vínculo formal de emprego ante ao seu caráter flexibilizado e disruptivo.

Fernando de Assis Barbosa Junior conceitua a “gig economy” como a “nova” – não é mais tão nova assim em meados do início do ano de 2023 – forma de prestação de serviços, na qual os instrumentos viabilizam o contato direito entre os usuários e as empresas prestadores de serviços em qualquer lugar do mundo, cujo objeto poderá ser mero produto ou determinado serviço, desde uma simples faxina até prestadores de serviço de alta performance profissional, como médicos e advogados, bastando que haja o acesso on-line.[10] O autor prossegue mencionando que há duas formas distintas para que tais serviços sejam efetivamente prestados, sendo: (i) o “crowdwork”; e (ii) o “work on-demand”; ambos inseridos na economia colaborativa.

Idealizada e materializada como um modelo de produção de serviços de forma descentralizada, atribui-se ao prestador de serviços a liberdade de prestá-los para uma ou mais empresas ao mesmo tempo, distintos usuários por intermédio da plataforma. Portanto, os rendimentos são oriundos de múltiplas fontes. O Juiz Guilherme Guimarães Feliciano, baseando-se no modelo de contrato formal existente, atribui a “gig economy” como um macroambiente de negócios repleto de contratos de curta duração com trabalhadores independentes, evidenciando sua caraterística plurissêmica.[11] 

Além da descentralização ser compreendida sob a ótica do prestador de serviço, igualmente é sob a ótica da empresa intermediária, pois o risco do negócio deixa de ser exclusivo e se estende ao prestador de serviços que dispõe de seus próprios bens particulares. Em um contrato de emprego o risco está restrito ao empregador ou compartilhado com outras empresas subordinadas, mas não compartilhado e coletivizado com os próprios prestadores de serviços, uma vez que acarretaria absoluta afronta aos direitos fundamentais.[12] Outras características predominantes – autonomia e liberdade das partes, multiplicidade de empregados pelos prestadores de serviços, emprego líquido, dentre outros – são fatores que dificultam a intervenção estatal para efetivação destes direitos.[13]

A aparente semelhança da economia colaborativa e da “gig economy” é evidente, sobretudo, decorrente de suas características comuns, como a descentralização e flexibilização, a utilização da internet como mecanismo de aproximação das partes envolvidas no processo, a dificuldade de identificação do prestador de serviços e do usuário, a liquidez da subordinação – um prestador pode prestar seus serviços para distintos prestadores ao mesmo tempo e quando quiser –e a distinção entre as duas economias somente se baseia na prestação de serviços decorrente de tarefas específicas que ocorre na economia pautada pela “gig economy”, implicando na necessidade do desenvolvimento da atividades pautada em determinada expertise e a força de trabalho do prestador de serviços é indispensável (por consectário lógico, o próprio prestador de serviços é indispensável), enquanto na economia colaborativa na economia o objeto essencial de sua existência se baseia no bem material que será subutilizado pelo usuário, sendo dispensável a prestação de serviços.

 

3. DA ECONOMIA COLABORATIVA ÀS DUAS ESPÉCIES DE PLATAFORMAS DA “GIG ECONOMY”: O “CROWDROK” E O “WORK ON-DEMAND”

De Stefano refere-se ao “crowdwork” como o negócio de oferta e demanda de produtos e serviços específicos de forma onerosa, na qual indivíduos e organizações são colados em contato diversos outros indivíduos e organizações por meio de plataforma on-line e via internet, com o objetivo de que os consumidores encontrem os trabalhadores.[14] As tarefas realizadas no por meio da plataforma do “crowdwork” se limitam em atividades de menor grau de complexidade e maior fragmentação, que demandam muitas qualificações técnicas dos trabalhadores e normalmente são atividades repetitivas e monótonas, mas que até então são impraticáveis por computadores ou sistemas automatizados. Contudo, podem também ser grandes tarefas, demandando maior grau de análise e projetos de maior complexidade, como o desenvolvimento de sítios eletrônicos ou logomarcas.

A maior plataforma de “crowdwork” é a Amazon Mechanical Turk (Mturk). A empresa fornece diversos serviços, o solicitante pode contratá-los mediante exigências específicas aos fornecedores, podendo recusá-los se as exigências não forem cumpridas e atribuem avaliações aos fornecedores. As avaliações são de extrema importância, pois podem impulsionar eventuais futuras contratações ou acarretar o cancelamento da conta do fornecedor de forma unilateral pela Amazon.[15]

A prestação de serviços por meio da plataforma denominada de “work on-demand” concerne no trabalho por demanda de tarefas consideradas tradicionais, como o transporte e a limpeza ou tarefas administrativas e de escritório. Além de a plataforma viabilizar a prestação do serviço, determina quando, com qual frequência e para quantas pessoas o prestador de serviços poderá executar suas atividades. O aplicativo possui amplo controle da mão de obra.[16] A “plataforma propaganda” do modelo “work on-demand” é a Uber Technologies Inc., empresa da área de transporte privado urbano.

Essas duas espécies de plataformas estabelecem relações profissionais viabilizadas unicamente pela plataforma ou sítio eletrônico, a tecnologia atrai para si o papel de única intermediária entre prestadores de serviços e os usuários. A tecnologia via internet utilizada como mecanismo intermediador possibilita a redução de custos, impulsiona a rapidez na prestação de serviços e maior qualidade, reduz burocracias e em ambas há a contratação de mão de obra de particulares sem que haja oficialmente o vínculo de emprego.[17]

 

4. A TEORIA PESSIMISTA DE ARTHUR SCHOPPENHAUER

Arthur Schopenhauer ficou conhecido como o filósofo da vontade e da teoria do pessimismo. Considerado como o filósofo cético quanto às relações e interações humanas, enxergava-as como desnecessárias ao desenvolvimento de si mesmo, colocando a vida como ato profundo de meditação na busca incessante por respostas. As respostas somente viriam de dentro de cada um, e o indivíduo não dependia de outras pessoas para encontrar o pleno desenvolvimento humano.[18] Sendo assim, a sua primeira característica se resume ao isolamento social com o objetivo de conhecer a si mesmo e desenvolvimento pessoal, compreendendo as relações e interações sociais como desnecessárias e absolutamente descartáveis.

O filósofo seguia compreendendo a vida como ato extremamente penoso, perseguido de resquícios de felicidade que não se perpetuavam no tempo. A vida era penosa e inexistia a noção de felicidade constante, mas a dor não seria passageira. Aliás, a dor representaria a consequência da vida e se manifestaria de diversas formas, seja pelo simples ato de viver ou de exercer o próprio ofício.[19] A vontade seguia sendo a próxima essência da subjetividade, representando o próprio “eu” do indivíduo, expressada dentro do instinto e possuindo a consciência de sua vontade.[20] A negação da vontade elevaria o caráter, embora o próprio filósofo não tenha expressado muito bem o que seria o caráter ideal.[21]

A mais interessante discussão da teoria pessimista schopenhaueriana é traçada pela compreensão das características da relação do ócio com o trabalho, consequentemente, bens materiais e exteriores. Para Schopenhauer, a felicidade do homem comum reflete na alternância entre o trabalho e prazer. O indivíduo se contenta em exercer qualquer atividade sem intenção do autodesenvolvimento oriundo de seus afazeres profissionais, o que realmente importa é realizar qualquer atividade profissional, intuitiva e procedimental com a esperança de desfrutar os resquícios de felicidade em mínimos momentos de prazer.[22] Em sua grande maioria, os momentos prazerosos são compartilhados com a família, o que Schoppenhauer também não acredita ante ao que chamada de ideal da felicidade “imposto” pela sociedade e monodrama essencial para própria existência do indivíduo, trazendo-lhe sentido. Quanto aos bens exteriores e materiais, remetia o homem ordinário a um ser tão subdesenvolvido por acreditar que o acúmulo de bens o levaria ao conhecimento de si mesmo. Ao contrário, o homem passou a trabalhar para sustentar o seu acúmulo de bens e não mais para viver.[23]

Paralelamente à teoria de Arthur Schopenhauer, expressada em meados do século XVIII (1788-1860), em que se colocava anti-hegeliano retornando à Kant com a pretensão de determinar a natureza da “coisa em si” ao analisar a experiência, os anseios do pessimismo schopenhauriano se consubstanciam após três séculos com a descaracterização do indivíduo como ser racional com capacidade plena de desenvolvimento que se destaca nas atividades profissionais impactadas pela economia colaborativa. Não há qualquer interesse ou necessidade de atividades profissionais desempenhadas dentro da economia colaborativa, que se adequaram à sociedade pós-moderna, deixem simplesmente de existir pela precarização da mão de obra. Não é o objetivo deste estudo, mas apenas traçar a mesma teoria schopenhauriana vislumbrada na prática e nas relações urbanísticas e profissionais.

Diversos são os aspectos do trabalho profissional exercido na sociedade contemporânea que se relaciona com a teoria pessimista e cética de Arthur Schopenhauer. O primeiro se remete à ausência da necessidade de interações humanas para o desenvolvimento do próprio indivíduo. [24]Na economia colaborativa, as partes envolvidas na prestação do serviço não precisam se relacionar diretamente e, por vezes, sequer indiretamente, se assim pretenderem não há necessidade de qualquer interação humana. Para tanto, basta que as instruções tenham sido pré-definidas dentro do sistema e que sejam seguidas pelo profissional prestador do serviço contratado, e há serviços que não precisam de instruções pré-definidas, como o aluguel de imóveis. Para essas contratações, A própria plataforma pode utilizar regramento universal e que ele seja seguido. As partes não possuem nenhuma interação. O pessimismo da teoria schopenhauriana acerca das interações humanadas evidentemente não reflete o próprio desenvolvimento do indivíduo como ser para além das prospecções produtivas. O indivíduo como ser é capaz de evoluir como em diversas áreas que ultrapassam a produção profissional, há diversas áreas que devem ser exploradas para o desenvolvimento humana, como a arte, a cultura, o dever cívico, o desenvolvimento de políticas sociais que partem do compartilhamento de ideias, dentre diversos outros campos. As relações interpessoais são inerentes ao desenvolvimento individual e social.

Em segundo lugar, o indivíduo insocial pratica o ócio com a solidão compondo o único fator possível ao próprio desenvolvimento e conhecimento de si mesmo segundo a teoria schopenhauriana destacada especialmente em “A arte de conhecer a si mesmo”[25], o exercício de atividade profissional é completamente dispensável para Arthur, uma vez que o trabalho é visto como verdadeiro obstáculo ao autoconhecimento e desenvolvimento.[26] Contudo, o desenvolvimento individual e coletivo é uma característica inerente ao exercício de atividades profissionais dentro da sociedade pós-moderna que atua em grande maioria na economia colaborativa. Na pós-modernidade, mais do que em qualquer outro momento histórico social, os avanços sociais e coletivos seguiriam avançando diariamente e de forma extremamente rápida, o que se aplica evidentemente às relações de trabalho, às empresas e aos próprios trabalhadores, sejam trabalhadores inseridos na economia colaborativa ou não. Houve inclusão e a diversidade fortemente presentes na economia colaborativa, seja internamente ou como necessidade para negócio, surgiu a preocupação das “big companies” ou “big business” com a sustentabilidade, utilização de recursos naturais e matéria-prima autossustentável, ergonomia do trabalhador e preocupação com a saúde mental, todos estes aspectos desenvolvedores que impulsionam cada vez mais a economia colaborativa na sociedade pós-modernidade são elementos capazes para propiciar o desenvolvimento individual e coletivo, contrariando a teoria pessimista schopenhauriana.

Em contrapartida, ainda que o indivíduo esteja incluído no ambiente laboral da economia colaborativa, contraponto suficiente aos pensamentos do autoconhecimento schopenhauriano, não seria satisfatório para o pleno desenvolvimento como indivíduo social com capacidade de participação em questões complexas. As relações profissionais dentro da economia colaborativa são genéricas, não interpessoais, mecanizadas e fora dos padrões mínimos de fomento e perpetuação dos direitos fundamentais, fundindo-se com a teoria schopenhauriana neste aspecto. O indivíduo encontra diversos obstáculos para se desenvolver como ser social, não compreende a sociedade pós-moderna e sequer possui a consciência de suas condições precárias e desumanizadas de trabalho. Dentro da economia colaborativa, entendida evidentemente como o cenário nacional atual, o indivíduo sobrevive e não meios para o autoconhecimento, tampouco para o autodesenvolvimento como ser individual e social. Isto não ocorrerá na mesma sintonia se comparada com o profissional especializada que à margem da economia colaborativa, apenas se beneficiando dela e de sua mão de obra. Portanto, Arthur Schopenhauer não poderia ser mais preciso ao delimitar os caminhos para o desenvolvimento pessoal ao mencionar que o trabalho implicaria em uma vida mecanizada e incompatível com o exercício do pensar, o exercício da compreensão da complexidade, tornando o ócio necessário, toda a teoria se encaixaria com sutileza de assertividade ao trabalhador inserido dentro da economia colaborativa.

Em terceiro lugar, Arthur Schopenhauer seguia compreendendo o acúmulo de bens como a tentativa de satisfazer lacunas vazias nas vidas dos indivíduos, refletindo um sentimento sem qualquer razão do que seria o viver. Seguia apontando que o indivíduo não conseguiria se desenvolver exercendo atividade profissional, pois se tornaria refém de suas próprias dívidas, uma vez que a essência humana busca o acúmulo de bens materiais.[27] O ambiente proposto pela economia colaborativa baseia-se na contraprestação por tarefa executada, os valores envolvidos normalmente são valores baixos e seguem critérios pré-estabelecidos pelas próprias empresas que formam a economia colaborativa, em suma maioria as plataformas digitais. Com isso, os prestadores de serviços passam muito mais tempo trabalhando para auferir valores significativos e, consequentemente, não possuem tempo suficiente para investirem em si mesmos, tempo para que a vida pessoal se torne a base para a vida intelectual.[28] Neste sentido, começam a acumular bens materiais que são essenciais à sobrevivência de qualquer indivíduo ou que sejam essenciais para o desenvolvimento da mesma atividade profissional utilizada como meio de sobrevivência, sejam bens materiais móveis ou imóveis. Se na economia colaborativa os valores envolvidos não são altos, acarretando serviço prestado em quantidade maior com o fito de se auferir valores mensais razoáveis, dispendendo assim mais tempo exercendo qualquer atividade profissional, o indivíduo passa somente a exercer suas tarefas para manter os seus bens materiais, ao passo que o seu desenvolvimento, que já não era a sua própria prioridade, passa a não ser cogitado por ausência de tempo, ausência de recursos financeiros que são gastos com bens materiais e pela cultural proposta pela economia colaborativa, que afasta o desenvolvimento ético, moral e social de qualquer indivíduo.

Explicitamente seguindo Kant, Arthur Schopenhauer acreditava que nosso mundo do espaço e do tempo era apenas o mundo “fenomenal” das aparências e que o mundo como ele realmente está fora da maneira como o representamos para nós mesmos é atemporal e espacial. Nós subjetivamente adicionamos espaço e tempo ao mundo assim como – para reutilizar uma metáfora bem conhecida – em usar óculos de lente vermelha, adicionamos a cor vermelha a toda a nossa experiência (visual). Porque o tempo e o espaço são a maneira que necessariamente imaginamos as coisas, no entanto, não podemos ver como o mundo realmente está em si mesmo (em termos da metáfora anterior: não podemos tirar os óculos).[29] Portanto, no momento em que o indivíduo, evidentemente pela necessidade de sobrevivência, se insere no modelo de prestação de serviços pela facilidade e praticidade, pois não depende do aceite de alguém para a contratação, não há processo seletivo, basta que sejam preenchidos requisitos cadastrais e a prestação de serviços se inicia, passa a fazer parte de uma realidade moldada, vivencia experiências que não decorrem da sua necessidade,

  

Contudo, definitivamente Schopenhauer não atribuiu uma visão positiva ao própria existir e isso refletiria muito do que são as relações de trabalho atualmente. Não há prazer, nada é prazeroso, se trabalha porque deve se trabalhar para sustentar as próprias coisas materiais – o que ele abominaria, pois se perde a liberdade as tendo, nos tornamos reféns de nós mesmos quando acumulamos bens e não conhecemos a si próprios.

A visão de Schopenhauer sobre o amor também resumiria o que se tornou atualmente as relações entre empregado e empregador “A mente consciente é uma serva parcialmente míope de uma vontade dominante, obcecada por crianças... não poderíamos confiar parecer para reproduzir a menos que tenhamos perdido nossas mentes pela primeira vez. E não seríamos sexualmente ou romanticamente atraídos por outra pessoa se não estivéssemos sob o domínio desse inexorável, insaciável “O amor não é nada além da manifestação consciente da descoberta da vontade de vida de um co-pai ideal...” Mas “a busca da felicidade pessoal e da produção de crianças saudáveis são dois projetos radicalmente contrastantes.” “Buscamos casos amorosos, conversamos em cafés com parceiros em potencial e temos filhos com tanta escolha no assunto quanto toupeiras e formigas - e raramente somos mais felizes.”

Portanto, nos trechos mencionados acima Schopenhauer com clareza estabelece que tais relações afetivas são completamente dispensáveis, assim como se tornaram as relações trabalho atualmente em tempo de pandemia e do crescimento da economia disruptiva chamada de “gig economy”, em que não há contato direto entre empregado e empregador. Talvez Schopenhauer não estivesse tão errado assim ao ser considerado um filosofo pessimista e ceticista acerca das realações entre humanos, pois nos dias hoje são essas relações que se concretizam

O jovem Schopenhauer tornou-se um herói para os jovens “românticos” de seu tempo que estavam tão comprometidos com o sentimento (em oposição à razão). Ele se apaixonou, mas “não queria formalizar o acordo” - um caso clássico de relutância em se comprometer. Sua recusa em se casar com sua amante e mãe de seu filho em um momento em que isso prejudicaria profundamente seu status social e econômico não é o comportamento de um espírito amoroso. Schopenhauer idoso é mais um quadro de energia exausta e sentimento pessimista.

Schopenhauer a cada momento de sua vida demonstra exatamente o que o trabalho se tornou atualmente, seja pela ausência em “formalizar o acordo”, como atualmente são vistos os serviços prestados por entregadores de aplicativos ou ainda no final de sua vida, assim como no final de uma jornada de trabalho, o trabalhador está completamente exausto e se sentindo pessimista com as horas laboradas e a contraprestação irrisória.

Arthur Schopenhauer explicitamente seguindo Kant, acreditava que nosso mundo do espaço e do tempo era apenas o mundo “fenomenal” das aparências e que o mundo como ele realmente está fora da maneira como o representamos para nós mesmos é atemporal e espacial. Nós subjetivamente adicionamos espaço e tempo ao mundo assim como – para reutilizar uma metáfora bem conhecida – em usar óculos de lente vermelha, adicionamos a cor vermelha a toda a nossa experiência (visual). Porque o tempo e o espaço são a maneira que necessariamente imaginamos as coisas, no entanto, não podemos ver como o mundo realmente está em si mesmo (em termos da metáfora anterior: não podemos tirar os óculos).

Schopenhauer admirava Goethe porque ele tinha transformado muitas das dores do amor em conhecimento. A essência da arte é que seu único caso se aplica a milhares. não mais um homem sofrendo sozinho, ele faz parte do vasto corpo de seres humanos que ao longo do tempo se apaixonaram no impulso agonizante de propagar a espécie.

Kant começou com a experiência e permaneceu lá, declarando que é impossível alcançar o conhecimento da coisa em si. Schopenhauer também começou com experiência, mas acreditava que é possível passar além da experiência e conhecer a coisa em si mesmo. Segundo ele, se fôssemos seres meramente racionais, dotados de sentido e intelecto, mas desprovidos de vontade, nunca seríamos capazes de responder à pergunta: “Qual é a causa externa de nossas representações?” O mundo seria para nós um sonho, uma mera representação, um sinal misterioso desprovido de significado. Mas cada um de nós também é um corpo, e a vida corpórea se revela como tendência, esforço, atividade, ou em uma palavra, como vontade. Vontade, portanto, é nossa realidade.

Schopenhauer partiu de Kant negando a racionalidade do testamento, é, em última análise, sem propósito: um animal nasce. Ele luta para sobreviver. Ele acasala, se reproduz e morre. Sua prole faz o mesmo, e o ciclo se repete geração após geração. Qual poderia ser o objetivo de tudo isso? Como os budistas, ele recomendou o ascetismo e a franqueza do desejo. Como Nietzsche, ele achava que a arte e a experiência estética eram redentoras.

“As coisas na civilização que mais valorizamos não são de nós mesmos. Eles existem em virtude dos atos e sofrimentos da comunidade humana contínua em que somos um elo...” É essa relação ativa entre ideal e real a que eu daria o nome de “Deus”. John Dewey (1859-1952) Este foi o epitáfio de Dewey.

Entre os filósofos do século XIX, Arthur Schopenhauer foi um dos primeiros a afirmar que, em seu núcleo, o universo não é um lugar racional. Inspirado por Platão e Kant, ambos considerados o mundo como mais favorável à razão, Schopenhauer desenvolveu suas filosofias em uma perspectiva instintiva e, em última instância, ascética, enfatizando que diante de um mundo cheio de conflitos sem fim, devemos minimizar nossos desejos naturais de alcançar um estado de espírito mais tranquilo e uma disposição para a beneficência universal. Muitas vezes considerado um pessimista minucioso, Schopenhauer de fato defendeu maneiras - através de formas artísticas, morais e ascéticas de consciência - para superar uma condição humana cheia de frustrações e fundamentalmente dolorosa.

Schopenhauer tornou-se o herói dos jovens românticos, defendendo “toda a pessoa” contra a razão pura e abstrata, enfatizando a importância do irracional (prenúncio kierkegaard “o dinamarquês melancólico”). Nietzsche foi brevemente apaixonado por ele. Ele era um dos filósofos favoritos de Wittgenstein.

Arthur Schopenhauer em Do Mundo como Vontade 1819 “Nós certamente nunca podemos chegar à natureza das coisas de fora.”, a única realidade essencial no universo é a vontade, e todos os fenômenos visíveis e tangíveis são apenas representações subjetivas dessa “vontade que é a única coisa em si” que realmente existe. O defeito de seu sistema é sua tendência a um pessimismo sombrio.

Na obra "O Mundo como Vontade e Representação: A Vontade" (“vontade”) fica fora do espaço e do tempo, mas seguir seus ditames leva à miséria. A realidade final é a vontade- incessante, inconsciente, que leva invariavelmente ao sofrimento. É melhor nunca ter existido do que sofrer.

Para Schopenhauer na Vontade não existe a temporalidade, do que se conclui que:

“Sem esse olho, isto é, fora do conhecimento, também não havia antes tempo algum. Por conta disso, o tempo não possui começo algum, mas todo começo está nele e, como é a forma mais universal da cognoscibilidade, à qual têm de se adaptar todos os fenômenos por intermédio da cópula da causalidade, o tempo, com o primeiro conhecer, também está presente com sua infinitude completa em ambas as direções (passado e futuro)[30].”

 

Logo não faz sentido perguntar sobre o antes ou depois no mundo como vontade; ou por que ela não permanecera eternamente vontade, sem precisar se objetivar no mundo como fenômeno; ou ainda, quanto tempo permanecera o mundo apenas vontade, antes que surgisse aquele primeiro olho e com ele o mundo como representação.

Famoso por tentar, sem conseguir, criticar irritando Hegel, a quem ele considerava um sofista e charlatão. Procurou refúgio na filosofia indiana. “Sua antipatia em relação a Hegel” e seu otimismo o levaram a abraçar a convicção budista de que a vida está sofrendo, impulsionada por uma vontade irracional que toma muitas formas em humanos, incluindo agressão violenta, instinto, ambição intelectual e arrogância filosófica (“como está o sistema vindo?”).

Schopenhauer odiava Hegel e o descreveu como “aquele charlatão desajeitado e nauseante, aquela pessoa perniciosa, que completamente desorganizou e arruinou as mentes de toda uma geração.” Tanto que há o episódio em que tentou sabotar a aula que Hegel dava na Universidade da Alemanha, programando suas preleções nos mesmos horários, mas não obteve sucesso e ninguém compareceu em suas aulas, todos estavam nas aulas de Hegel.

Schopenhauer ficou intrigado com a negligência dos filósofos anteriores sobre o tema do amor, uma negação pomposa de um lado da vida que violava a autoimagem racional do homem. Mas Sócrates não negligenciou, nem Platão - a ideia de Platão de “amor superior”, no entanto, é uma grande ideia, uma forma, não muito quente ou tangível.

A teoria da vontade de Schopenhauer nos convida a adotar uma postura mais tolerante em relação ao comportamento excêntrico ao qual o amor tantas vezes nos faz sujeitos. (O amor não é nada além de irracional, impessoal vontade.) Oferece o consolo de saber que nossa dor é normal. O amante ignora tudo, julga mal tudo, e ao consumar sua paixão provoca risos “diabólicos”.  O amor não poderia nos induzir a assumir o fardo de propagar a espécie sem nos prometer a maior felicidade que poderíamos imaginar.

“O maior fardo?” A busca da felicidade pessoal e a produção de crianças saudáveis são dois projetos radialmente contrastantes. Schopenhauer era um solteiro sem filhos. Ele não conhecia as alegrias que podem compensar, mesmo que triviais, os “fardos” da paternidade.

Um erro inato: a noção de que existimos para sermos felizes, a noção errônea de que o mundo tem muito a oferecer. E por este pensamento sombrio devemos ser aplaudidos?

E ainda assim Schopenhauer finalmente transcende o pessimismo, pelo menos no papel. Ao atribuir os absurdos da existência a uma força de vontade implacável e impessoal, ele passa a olhar menos para o seu próprio lote individual do que para o da humanidade como um todo. Ele se comporta mais como um conhecedor do que como um sofredor. Mas é claro que não podemos realmente saber que o mundo não é nada além de vontade. Essa é a interpretação e perspectiva peculiares de Schopenhauer. De uma forma estranha, porém, isso o reconciliou com uma vida que ele alegou achar intolerável – e parece até ter feito valer a pena viver, nessa perspectiva.

Toda a verdade passa por três estágios. Primeiro, é ridicularizado. Segundo, é violentamente contra. Terceiro, é aceito como sendo evidente. (Mas mesmo que seja verdade, não se segue que toda ideia ridícula é um forte candidato à verdade.) Compaixão é a base de toda moralidade. Toda nação ridiculariza outras nações, e todos estão bem. Cada pessoa leva os limites de seu próprio campo de visão para os limites do mundo.

Se não estivéssemos todos tão interessados em nós mesmos, a vida seria tão desinteressante que nenhum de nós seria capaz de suportar isso. Talento atinge um alvo que ninguém mais pode acertar; O gênio atinge um alvo que ninguém mais pode ver. A quantidade de ruído que qualquer um pode suportar sem ser incomodado está em proporção inversa à sua capacidade mental. A memória deve ser especialmente tributada na juventude, uma vez que é então que é mais forte e tenaz. Mas na escolha das coisas que devem ser comprometidas com a memória o maior cuidado e premeditação deve ser exercido; como lições bem aprendidas na juventude nunca são esquecidas. Perdemos três quartos de nós mesmos para sermos como as outras pessoas.

 

4. CONCLUSÃO

O pensamento reflexivo oriundo dos aspectos éticos e morais da filosofia parece distante das questões trabalhistas, seja por serem consideradas práticas ou por existirem requisitos formais que delimitam as discussões. Até parece que debater sobre aspectos trabalhistas deva se basear em vínculo empregatício, unicidade contratual, pagamento de determinadas verbas rescisórias, concessão de benefícios, concessões recíprocas, concessão de incentivos de longo prazo, dentre tantos outros aspectos – interessantes e necessários, sem dúvidas – que envolvem as relações de trabalho em que necessariamente há mão de obra, há serviços prestados, há produção de produtos, pois o enfrentamento de questões trabalhistas sob a ótica da ética e da moral, do desenvolvimento pessoal e social, como a própria função social do trabalho prestado e da existência do empregador são raros, mas não deveriam. A análise do impacto da economia colaborativa nos contratos de empregado sob a ótica da teoria schopenhauriana demonstra ser passada a hora e o atraso dos debates acerca de discussões de aspectos trabalhistas com enfoque abrangente de como a mão de obra tem sido explorada dentro da economia colaborativa, e o caminho para a compreensão será por meio do enfrentamento de questões éticas e morais que são inerentes ao trabalho inserido na economia colaborativa. Não se vislumbra a dissociação da ética e moral de trabalhadores em detrimento das atividades profissionais que exercem. Toda e qualquer atividade profissional deve refletir a ética e a moral como critérios de desenvolvimento social e individual, não deve ser entendida apenas como mecanismo de subsistência dos trabalhadores. Neste cenário, não há evolução social, não há compreensão da sociedade pós-moderna e não o enfrentamento de questões paradoxas oriundas da pós-modernidade.

A necessidade da compreensão da função social e individual dos trabalhadores inseridos na economia colaborativa não deve ser confundida com a a ideia equivocada de extinção da própria economia colaborativa e de suas infinitas plataformas em razão de seus impactos aos contratos de emprego. Não há margem de discussões neste sentido, seja sob a ótica do interesse individual do trabalhador – evidentemente que nenhum prestador de serviços pretende o corte de sua renda, muitas vezes sendo a única oriunda de alguma plataforma inserida na economia colaborativa – ou pela ótica do interesse social – a sociedade se beneficia dos serviços oferecidos pela economia colaborativa, fomentando a economia e facilitando o cotidiano. Contudo, se tornou indispensável criar mecanismos de aperfeiçoamento para a prestação de serviços dentro da economia colaborativa que viabilize o desenvolvimento individual e social dos prestadores de serviços, sem a necessidade de enquadramento em um contrato de emprego, mas que subsistam direitos sociais assegurados constitucionalmente a todos os cidadãos, especialmente, o mínimo existencial. Tais direitos são capazes de viabilizar o crescimento individual e social de cada indivíduo com, contrariando o que a teoria schopenhauriana entende como a ideia do pessimisto perpetuada no ato de produzir profissionalmente algo.

 

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[1] MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Algumas notas sobre o trabalho 4.0. In: Prontuário de Direito do Trabalho – II. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2016. p. 251.

[2] ABBOUD, Georges. Direito Constitucional pós-moderno. Edição atual, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 530.

[3] Ibidem. p. 529.

[4] JUNIOR, Francisco de Assis Barbosa Junior. Gig Economy e contrato de emprego: Aplicabilidade da Legislação Trabalhista aos Vínculos de Trabalho da Nova Economia. Editora: Revista LTr. São Paulo, 2019, p. 21.

[5] Ibidem. p. 21.

[6] ANDRADE, Daniela Rafael de; DANTAS, Rodolfo Lima. Uber: a oportunidade dos sonhos ou pesadelo do direito do trabalho. In: FARIA, Fernanda Nigri et al. (coord.). Direito do trabalho e direito processual do trabalho: estudos avançados. São Paulo: LTr, 2017, p 80 e 81.

[7] Ibidem. p. 25.

[8] Ibidem. p. 39.

[9] CHAVES, Letícia Righi Rodrigues de Xavier. Informe sobre ações envolvendo a UBER no direito comparado. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES, Júnior, José Eduardo de Resende (orgs.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. São Paulo: LTr, 2017. p. 331.

[10] JUNIOR, Francisco de Assis Barbosa Junior. Gig Economy e contrato de emprego: Aplicabilidade da Legislação Trabalhista aos Vínculos de Trabalho da Nova Economia. Editora: Revista LTr, São Paulo, 2019, p. 29.

[11]FELICIANO, Guilherme Guimarães; PASQUALETO, Olívia de Quintana Figueiredo. (Re)descobrindo o direito do trabalho: Gig economy. Editora: Jota, 2019. p. 6.

[12]ABILIO, Ludimilla Costhek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. In: Revista do Instituto Humanitas Unisinos. 2017, p. 11.

[13] MANNRICH, Nelson. Futuro do direito do trabalho, no Brasil e no mundo. Revista LTr, São Paulo, nov. 2017. p. 1293-1294.

[14]DE STEFANO, Valerio. The Rise of the 'Just-in-Time Workforce': On-Demand Work, Crowd Work and Labour Protection in the 'Gig-Economy'. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2682602, Acesso em: 17/02/2023. 

[15] KALIL, Renan Bernardi. Direito do trabalho e economia de compartilhamento: primeiras considerações. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (orgs.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. São Paulo: LTr, 2017. p. 148.

[16] JUNIOR, Francisco de Assis Barbosa Junior. Gig Economy e contrato de emprego: Aplicabilidade da Legislação Trabalhista aos Vínculos de Trabalho da Nova Economia. Editora: Revista LTr, São Paulo, 2019. p. 30.

[17] KALIL, Renan Bernardi. Direito do trabalho e economia de compartilhamento: primeiras considerações. In: LEME, Ana Carolina Reis Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (orgs.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano. São Paulo: LTr, 2017. p. 147.

[18] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de conhecer a si mesmo. Editora: WMF Martins Fontes, São Paulo, 2019. p. 9.

[19] SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Editora: Contraponto, Rio de Janeiro, 2014. p. 263 – 265.

[20] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de conhecer a si mesmo. Editora: WMF Martins Fontes, São Paulo, 2019. p. 5.

[21] SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Editora: Contraponto, Rio de Janeiro, 2014. p. 304.

[22] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de conhecer a si mesmo. Editora: WMF Martins Fontes, São Paulo, 2019. p. 5 – 7.

[23] Ibidem. p. 5.

[24] Ibidem. p. 19.

[25] Ibidem. p. 17 – 18.

[26] Arthur Schopenhauer não seria o típico homem que precisa exercer atividades profissionais para a própria sobrevivência, herdou a fortuna paterna e conseguiria passar a vida no ócio. Isso fica claro ao estudar a biografia do filósofo e em diversos trechos de duas de suas obras (“A arte de conhecer a si mesmo” e “O mundo como vontade e representação”), um dos trechos em que menciona que não precisava exercer qualquer trabalho para sua subsistência, destaca-se no seguinte sentido: “Por conta disso também gozei do direito de zelar para o sustento proveniente de minha herança paterna – que por tanto tempo me manteve e sem o qual o mundo jamais teria algo de mim – durasse até minha idade avançada.”. SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de conhecer a si mesmo. Editora: WMF Martins Fontes, São Paulo, 2019. p. 6.

[27] SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de conhecer a si mesmo. Editora: WMF Martins Fontes, São Paulo, 2019. p. 5.

[28] Ibidem. p. 4.

[29] SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Editora: Contraponto, Rio de Janeiro, 2014. p. 105 – 107.

[30] Schopenhauer, Arthur. O mundo como vontade e como representação, p. 76.

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